segunda-feira, 27 de fevereiro de 2012

Os riscos e as alegrias dos artistas de rua nos cruzamentos de Feira de Santana

POR EDNEIA GONÇALVES

Feira de Santana é a maior cidade do interior nordestino. Localizada no estado da Bahia, a 110 km da Capital, tem o maior entroncamento rodoviário do Norte e Nordeste, conta com uma população de mais de 500 mil habitantes e é uma cidade de grande potencial econômico que tem no comércio, no setor de serviços e na indústria a base de sua economia. E por todos esses fatores torna-se muito atraente para aqueles que nós chamamos “artistas de rua”, pessoas que ganham a vida nos cruzamentos dos grandes centros urbanos, apresentando a sua arte.

Na maioria, são pessoas que não tem formação escolar, nem nível superior. Estudaram apenas até o nível primário ou no máximo o ensino médio, como é o caso do jovem Renato Silva Barbosa, de 26 anos, que ganha a vida demonstrando a arte do malabarismo com bastão em chamas, viajando pelos grandes centros do país, mais precisamente em cidades da região Sudeste e Nordeste.

Casado com Mariana Araújo Barbosa, com quem tem três filhos, decidiu viver a vida da arte nas ruas. Aos doze anos de idade descobriu o talento para o malabarismo e sua vocação circense. “Tinha quatorze anos de idade quando decidi sair de casa e da minha cidade, Fortaleza, rumo ao Rio de Janeiro, pois acreditava que lá poderia ganhar dinheiro com minha arte, que aprendi sozinho mesmo”.

É com isso que sustenta sua família, enviando semanalmente o dinheiro para suprir a despesas de casa, não só de alimentação como também de escola, saúde e lazer. Segundo ele, consegue arrecadar cerca de dois mil reais livres das despesas de passagens, hospedagem e estadia. Lamenta-se apenas de ter que ficar distante dos filhos e da esposa, por muito tempo, cerca de trinta dias, um período que considera longo e que parece não passar. Por outro lado, destaca o fato de conhecer várias cidades e pessoas diferentes.
Renato não tem pretensão de deixar o seu trabalho tão cedo. Ele busca todos os dias trabalhar com prazer para juntar dinheiro e comprar um carro com trailler no intuito de trazer sua família para perto de si.

Fábio é solteiro, tem 22 anos, não tem filhos, mas exerce a mesma atividade para sobreviver. Faz mágica e brincadeiras nos cruzamentos das grandes e movimentadas avenidas.

Vestido de palhaço, com pernas de pau e rosto pintado, Fábio faz a alegria de quem para nos semáforos, com seus truques e mágicas em plena luz do dia. É nisto que reside o prazer daquilo que faz. “Arrancar um sorriso de pessoas que nunca vi, mas que com certeza tem problemas, pra mim, é mais do que gratificante, é a sensação de um dever cumprido”, relata com muita segurança.

Estudante do curso superior de designer, trancou a sua matrícula no terceiro semestre para sair Brasil a fora fazendo o que mais gosta, e tirando daí o seu sustento. Apaixonado pela arte, mas também simpatizante da filosofia, principalmente de grandes pensadores sociais, como Émile Durkheim e Max Weber, diz que se tiver de voltar para a faculdade será para estudar arte.

Cheio de alegria e entusiasmo, Fábio sente-se importante na sua rotina de trabalho. Para ele o trânsito é muito estressante, o que deixa as pessoas tensas, e aí é que entra a sua arte, a atividade de fazer sorrir e relaxar os que aguardam pelo sinal. Ainda que não seja reconhecido e recompensado monetariamente, tem sempre o prazer de fazer suas brincadeiras com todos. “É bem verdade que todo palhaço deve fazer sorrir, porém não quer dizer que não enfrente problemas e dilemas, mas que jamais serão transferidos para seu público alvo”.

Com um jeito típico de carioca, Fábio diz gostar do povo nordestino pela sua cultura e pela fibra com a qual enfrenta as dificuldades, maiores que a dos brasileiros que vivem nas regiões sul e sudeste do País. Prefere trabalhar nas cidades nordestinas do que nas de sua terra natal, Rio de Janeiro. “Aqui as pessoas são mais amigas e solidárias, apesar de darem pouca grana ao artista”.

Acordar tarde, sair de um quarto de hotel ou pousada e ir à luta de dia e de noite não é tão simples como alguém possa imaginar. Ter que fazer quase tudo na rua, como atender as necessidades fisiológicas, comer, beber água e ter que ficar a maior parte do tempo sob o sol nordestino não é nada fácil para qualquer um, mas é assim que escolheu viver o jovem palhaço Fábio.

Com uma rotina semelhante à da maioria dos outros artistas de rua, Henrique Gomes da Silva sobrevive de fazer malabarismo com bolas.  Nascido na cidade de São Paulo, solteiro, decidiu abandonar o emprego de carteira assinada que tinha numa indústria multinacional onde ganhava razoavelmente bem. “Não gostava daquela coisa de ter que todos os dias acordar cedo, marcar ponto, ter hora para comer, chegar e sair, etc. Na verdade, não gosto de limites, de ter que dar satisfações a ninguém”, declara.

Nessa rotina, não ter que prestar contas a ninguém pode ser interpretado como viver sem controle, mas não é isso que foi percebido. Henrique demonstra compromisso com a civilidade e defende direitos iguais para todos.

A atividade de sobreviver da arte nas ruas, também tem seus riscos, como qualquer outro trabalho. É fácil ver que ficar no meio de um cruzamento ou parado sobre uma faixa de pedestre de movimentadas avenidas não é nada seguro, visto que o trânsito em si é muito perigoso e nunca se sabe quem está ao volante ou pilotando uma motocicleta. “Já vi acidentes horríveis e por pouco não fui vítima. Mas nunca pensei em parar por causa disso; faz parte da minha profissão”, comenta Henrique.

Outra situação enfrentada pelos artistas de rua é o preconceito e a discriminação por parte dos motoristas e pedestres. Não é o fato de não contribuir ou não cooperar com o artista, pois isso não significa quase nada perto dos maus tratos cometidos por alguns. Eles são xingados, tratados como viciados; outros aceleram o carro em direção ao artista ou até mesmo fecham o vidro como demonstração de menosprezo. Mas nada disso é motivo para desistirem.  

Renato, Fábio e Henrique são exemplos de brasileiros que não desistem nunca, pois, apesar das dificuldades, conseguem ter esperança de que tudo é possível se acreditarem. Um sustenta a família com seus malabares fumegantes; outro alegra os que passam, lá das alturas de sua perna de pau e o outro com malabarismo de bolas e cuspindo fogo. Juntos, tem em comum a realização pessoal e profissional, pois trabalham com o que gostam, e o que sabem fazer melhor, que é fazer o outro sorrir.

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