terça-feira, 27 de dezembro de 2011

Pedro Arcanjo conta um pouco da história do Centro Cultural Dannemann

POR RAUL AGUILAR

Cabelos negros cacheados, nariz levemente empinado, cor parda, vestindo calça jeans azul com uma camisa branca e usando um relógio Tag Heuer quadrado no braço. Este é Pedro Arcanjo da Silva, diretor do Centro Cultural Dannemann, localizado em São Félix.

Nascido em Maragogipe, pequena cidade do Recôncavo Baiano, com pouco mais de 41.000 habitantes, o garoto, cujo nome foi inspirado no  personagem principal do livro Tenda dos Milagres, de Jorge Amado, define-se como “um sociólogo fotógrafo querendo ser artista, e um fotógrafo sociólogo querendo ser artista”.

Seu pai, quando decidiu chamá-lo de Pedro Arcanjo, parecia prever traços da personalidade do garoto.  O personagem, que na literatura é Ogan em um terreiro de candomblé de Salvador, pouco a pouco passa a se fundir com a personalidade do menino, que desde cedo aprendeu a admirar a cultura africana.

Quando criança, Pedro tinha como diversão passear pelos terreiros de candomblé, nos períodos de festividade. De forma inconsciente, imagens vistas nos terreiros ficariam marcadas no seu subconsciente. Imagens que depois seriam importantes no processo de afloramento do seu dom artístico.

“Os adolescentes, as crianças, também frequentam o terreiro como quem vai de certa forma a um teatro. Outro dia eu estava no terreiro de Deleci e chegaram duas meninas de uns onze anos, todas arrumadinhas e tal, de botas, no maior estilo, e sentaram lá pra assistir o ritual. Era como se elas estivessem indo para um teatro, para uma coisa assim. Isso eu acho que vai ficando na memória afetiva das pessoas, e ficou um pouco, deve ter ficado na minha memória. Quando eu comecei a mexer com essas coisas de criatividade, de criação de arte, aquelas imagens automaticamente devem ter saído da minha memória afetiva. Quando a gente trabalha de uma forma verdadeira, sai o que tá dentro da gente”, diz ele.

Arcanjo falou com sua mãe sobre as cenas vivenciadas no terreiro. “Uma vez eu vi um senhor, seu Guaguachá, um negro bem tímido, ele mal falava com as pessoas na rua, um pescador que andava com um guarda-chuva. Aí fui no terreiro do Cravo, lá estava um circulo de brasa de carvão acesso, de repente surgiu uma pessoa vestido de Xangô e começou a dançar em cima das brasas, apagando-as. Um espetáculo da maior natureza! Uma coisa de dança assim, se filmasse aquilo era um espetáculo estético contemporâneo da maior natureza. Aí um senhor perto de mim falou: você sabe quem é esse ai? Olhei assim e disse: parece ser algum parente de seu Guaguachá, pois não dava pra acreditar que esse homem tinha passado por uma transformação, a imagem que eu tinha dele antes e tal. Ele me disse: Esse ai é Xangô montado em Guaguachá. Assustado, falei: ali é seu Guaguachá!? Quando cheguei em casa, falei com minha mãe: tinha uma circulo de brasas e seu Guaguachá estava dançando em cima delas, não sabia que ele dançava, não! Dançando na maior coisa, minha mãe! Ela me pediu para que deixasse  isso lá. Porém, ela não me proibiu de ir, eu acho que essa contribuição foi legal, não falou que isso é coisa menor, coisa de gente que não tem desenvolvimento, cultura, como se costuma falar”.

Formado em Sociologia, e mestre em Artes visuais pela Escola de Belas Artes da UFBA, ele afirma, quando perguntado se há uma influência sociológica no seu modo de ver e interpretar a realidade artística e social: “Construo minhas obras com um olhar da Sociologia. Sempre tem texto nos trabalhos que faço, sempre tem um conceito, que é um conceito que vem da Sociologia”.

Sua formação sociológica foi muito importante para reproduzir de forma original a cultura do Recôncavo. Através da fotografia, no ensaio “A influência da Cultura Africana na Bahia”, Pedro Arcanjo mostra a influência africana no Recôncavo, sob o prisma do sagrado e do profano, misturando-se para expressar o que até então estava discriminado e excluído.

Sua visão contemporânea e original rendeu-lhe o prêmio Aloísio Magalhães, da Fundação Biblioteca Nacional. “Eu ganhei esse prêmio com três fotografias. Eram três estatuetas de Exus carbonizados, uma dialogava com a outra, foi bem interessante esse prêmio, foi logo no inicio do meu trabalho”.

Com exposições no Brasil, Argentina, Áustria, Alemanha e Suíça, Arcanjo é um dos mais respeitados artistas contemporâneos da Bahia.

UM CENTRO CULTURAL ABERTO À COMUNIDADE

O seu feito mais louvável foi transformar a antiga fábrica de charutos Dannemann em um dos mais respeitáveis centros de arte contemporânea do Brasil, e, sem dúvida, uma referência na Bahia.


Ele surgiu como um desafio para Pedro Arcanjo. A então fabrica de Charutos estava em decadência, e um amigo, o arquiteto Paulo Ormindo, propôs que conhecesse o lugar. O dono, Hans Leusen, cônsul da Holanda, queria transformá-lo em um centro de artesanato. Encantado pelo espaço, Arcanjo decide falar com o proprietário sobre seu interesse, porém, vai contra a ideia de transformá-lo em um centro de artesanato e propõe uma ideia mais ousada: transformar o espaço em um Centro Cultural.

Mesmo sem uma ideia concreta sobre o que se seria o espaço, ele diz: “Se você quiser transformar em um espaço cultural vivo, pra transformar o Recôncavo, estou dentro”. O cônsul aceita a proposta, e dá a Pedro uma semana para que ele apresente um projeto, para ser aplicado no local. Aceito o desafio, Arcanjo começa a pensar sobre o que poderia ser inserido no espaço. Primeiro ele pensa no resgate das filarmônicas, algo que já vinha planejando há algum tempo. Ele via a necessidade de um resgate dessa tradição que estava em decadência devido a vários fatores, entre eles a inserção do trio elétrico em festas municipais. “Toda festa que tinha, vinha um trio elétrico ou vinha um som do tamanho de um trio. Então as filarmônicas, o samba de roda e todas essas expressões artísticas acústicas, que aconteciam, e não tinham um som, sofreram um impacto imenso e entraram em decadência”.

Daí surgiu então a ideia dos festivais de filarmônicas. Vendo que as filarmônicas eram algo regional, e com uma proposta ousada de expandir o centro cultural a um nível nacional, ele propõe a criação da Bienal do Recôncavo. “Precisava um contraponto pra trazer a maluquice e a incerteza, a discussão contemporânea. Vamos fazer um negócio lá, pra levar mais gente doida pra aquela cidade, fazer umas maluquices por lá, fazer outras propostas estéticas, outras maneiras de pensar de agir”. Criava-se assim um equilíbrio entre o regional e o nacional.

Questionado sobre as dificuldades encontradas no início da implementação do Dannemann, ele revela: “As pessoas que acham que são ricas da Região queriam alugar o lugar para fazer os quinze anos das filhas e dos filhos, para fazer aniversario de 25 anos de casados, festas de casamento, essas coisas. Se fosse por aí, viraria um clube, e só os ricos iriam ter a possibilidade de alugar. Os pobres não têm condição de fazer um bolo para o aniversário de seus filhos, e são maioria. Como iriam alugar um lugar daquele? Então, ia ficar uma coisa elitizada onde as pessoas simples, as pessoas dos bairros, as pessoas que não tinham condição de alugar para fazer festas, ficariam inibidas de entrar lá naquele lugar e isso ia se tornar um espaço elitista. E uma das coisa que pensamos de início era que não iríamos fazer isso”.

Com essa ideia de agregação e de não segregação, o espaço foi criado. Pedro destaca isto como o grande trunfo do Centro Cultural. “O grande mérito do Centro cultural é justamente este, a gente conseguiu ter ali uma discussão até certo ponto sofisticada para a região, uma discussão onde a gente avança na questão da arte contemporânea, numa discussão que está se dando hoje nos principais países e nas grandes capitais, nas grandes metrópoles como Londres, Berlim, Paris e Nova York . E não deixou de ser popular”.

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