segunda-feira, 16 de janeiro de 2012

Festa d´Ajuda passa por grandes mudanças, mas ainda preserva originalidade

POR RAFAEL LOPES

A festa D’Ajuda acontece sempre na primeira quinzena de novembro, em Cachoeira. Em 2011, os festejos foram iniciados no dia 30 de outubro e se estenderam até 15 de novembro. Envolvendo a parte sagrada e profana, ela se destaca no Recôncavo Baiano como um importante folguedo popular, reunindo manifestações originais e  personalidades do imaginário, criados na fusão cultural proporcionada pela miscigenação racial que ocorreu na Bahia, especialmente em Cachoeira.

São mandus, mascarados, cabeçorras, velhos, meninos, meninas e o povo, pelas ruas, calçadas, à sombra dos seculares sobrados, cantando músicas e letras singulares das históricas filarmônicas, que com instrumentos de sopro e percussão fazem uma belíssima festa, totalmente singular e popular. As comemorações religiosas ocorrem na Capelinha de Nossa Senhora D’Ajuda onde é promovido um novenário em louvor à Santa.

Segundo Leonardo Marques, 24 anos – subsecretário de cultura da cidade e integrante da Irmandade Nossa Senhora D’Ajuda, responsável pela organização do evento e folião desde criança –, com a modernidade, perdeu-se a tradição das máscaras, dos ternos e mandus. Ainda se vê, mas são pouquíssimos em relação aos anos anteriores. As pessoas preferem as fantasias “modernas”, de personagens que estão no auge, geralmente criados a partir de estereótipos construídos pela mídia.

Hoje, tenta-se resgatar os ternos, tombando a festa para que a mesma não passe por mudanças capazes de descaracterizá-la. Para Marques, essa importante data comemorativa do calendário da Cidade Histórica influenciou muito outras culturas de cidades vizinhas. “O carnaval de Maragogipe, por exemplo, onde as pessoas saem mascaradas pelas ruas em blocos carnavalescos, é um exemplo da forte influência da cultura cachoeirana”.

PERDAS E GANHOS

Nos últimos anos, muita coisa se perdeu na festa D’Ajuda e em Cachoeira. A festa de Santa Cecília, por exemplo, que ocorria logo após a festa D’Ajuda desapareceu do calendário de datas comemorativas do município. Moradores antigos da cidade dizem que era quase um mês de festa e todos entravam na folia; era um verdadeiro carnaval fora de época. Havia uma acentuada disputa entre duas filarmônicas: a Minerva Cachoeirana – organizadora da festa D’Ajuda – e a Lyra Ceciliana – que organizava a festa de Santa Cecília, ambas rivais politicamente.

Houve também uma forte mudança com relação ao nome da festa D’Ajuda. Antigamente, a parte profana da festa era conhecida como ternos, pois cada dia saía um terno diferente nas ruas. Hoje, o nome mudou para embalo e muitos conhecem a festa por “embalo D’Ajuda”.

Em tempos passados, havia os grandes bailes D’Ajuda. A tradição de bailes foi trazida pela cultura portuguesa, na qual as pessoas gostavam de se fantasiar. Eram bailes fechados e os escravos do engenho não participavam. A participação dos escravos se deu quando resolveram fazer uma festa temática de Candomblé. Com os mandus, ninguém sabia quem estava por trás da fantasia. Desse modo, o baile foi se popularizando até ficar conhecido com festa D’Ajuda.

Cada ano, a Irmandade atribui um tema aos festejos. Em 2011 o tema foi “Jorge da arara”, com o ideal de homenagear Jorge, cachoeirano já falecido, que confeccionava cabeçorras e costumava sair fantasiado todos os anos.

Existe uma polêmica com relação ao último dia da festa. Há alguns anos, não ocorre o último dia da parte profana. Na edição deste ano, as autoridades locais anunciaram, já no último dia, que não haveria embalo. Segundo populares, a festa é proibida no último dia, devido aos altos índices de violência. É a chance de quem apanhou durante os dias anteriores de embalo, descontar. A rua da Feira é apontada pelos foliões como a mais violenta do circuito da festa. “Quando passa pela rua da Feira rola muita droga e pancadaria. É uma muvuca que não dá pra controlar. Prefiro não passar por lá para evitar briga”, disse um jovem cachoeirano que não quis se identificar.

Mas, segundo o subsecretário de cultura, a festa só não acontece no último dia quando alguém ligado à irmandade morre, como forma de respeito àquela pessoa que se foi. No ano passado, a juíza perpétua da festa faleceu no dia 15, por isso a parte profana foi suspensa.

Para amenizar a violência explícita, a prefeitura tem feito um trabalho de conscientização em bairros, semanas antes da realização do evento. Leva o tema da festa às comunidades e associações de moradores; explica ao povo o verdadeiro significado do festejo. Já com relação à segurança, a Irmandade solicita, através de um ofício, o reforço no policiamento local. Geralmente, o pelotão da cidade de Cruz das Almas é convocado para fazer a segurança nos dias em que ocorre o embalo. Cerca de 40 homens integram esse reforço.

Com todos os poréns, os festejos movimentam a economia local. São turistas de diversos países que participam. Esse fluxo crescente de turistas em datas comemorativas da Cidade Histórica traz enormes benefícios para os comerciantes. Uma vez que a demanda pelos serviços aumenta, o lucro consequentemente também aumenta; hotéis, pousadas e restaurantes são os mais procurados por quem está a passeio. O gerente de uma pousada tradicional de Cachoeira disse que a reserva de quartos chega a duplicar e que o que os “gringos” mais procuram é um ambiente com conforto, requinte e tranquilidade para um bom descanso após a folia.

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